sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Estatuto do Homem - Carlos Heitor Cony

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade;
Agora vale a vida,
E de mãos dadas,
Marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
Inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
Haverá girassóis em todas as janelas,
Que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
E que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
Abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem
Não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento,
Como o vento confia no ar,
Como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:

O homem confiará no homem
Como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio,
Nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo
Porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías,
E o lobo e o cordeiro pastarão juntos
E a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade,
E a alegria será uma bandeira generosa
Para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor sempre foi e sempre será não poder dar-se amor a quem se ama
E saber que a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
Qualquer hora da vida,
O uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama
E por isso é belo,
Muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado, nem proibido,
Tudo será permitido,
Inclusive brincar com os rinocerontes
E caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela

Parágrafo Único:

Só uma coisa fica proibida:
Amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
O dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar
E a festa do dia que chegou.

Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
A qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas,
A partir desse instante a liberdade será algo vivo e transparente
Como um fogo ou um rio,
E a sua morada será sempre o coração do homem.

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