terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Segunda Entevista do Bandido

"Em maio de 2006, tu me entrevistou... Estou lembrando da tua cara... Saiu até no 'Harper's Magazine... em inglês...
Agora estão me mudando de Catanduvas, acho que para Roraima, sei lá. Mas, creia que eu não ordenei ataque algum, que não sou burro. Você acha que eu ia queimar ônibus e jogar a população contra nós? Isso é coisa de traficas idiotas... Na época, você me perguntou como eu entrei no crime e eu te disse que era invisível desde menino... Vocês nunca me olharam durante décadas... E olha que era mole resolver o problema a miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos de barracos ou nas músicas românticas sobre a 'beleza dos morros ao amanhecer', essas coisas... Os policiais eram considerados bandidos e nós éramos os heróis, lembra? 'Vítimas da miséria.' É, mas quem fez o crime crescer não foi a miséria, foi o capitalismo, cara. Com a multinacional do pó, ficamos ricos e as armas chegaram... Aí começou o 'que horror!', 'que medo!' entre vocês do asfalto. Nós fomos só o início tardio de vossa consciência social..."
"Como assim?"
"Nós somos filhos tortos do crescimento econômico; e vocês também. Nossos enriquecimento e virulência obrigaram vocês a se modernizarem na repressão. De certa forma, vocês aprenderam conosco, numa espécie de 'formação reativa dialética'. Viu como sou culto?... Li centenas de livros em Catanduvas."
"Sim, mas você que viveu na barra-pesada, me diga, qual é a solução?"
"Vocês só chegam a algum sucesso se desistirem de defender a 'normalidade'. Olha aqui, mano, não há mais solução! A própria ideia de 'solução' já é um equivoco pequeno-burguês... rá rá... é filosoficamente uma esperança vã! Mas vou ser franco contigo, na boa, na moral: estamos todos no centro do 'insolúvel'. Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Só que nós sabemos que não há saída. Só a morte ou a merda. E nós já trabalhamos dentro delas. A morte para vocês é um drama cristão numa cama. A morte para nós é o 'presunto' diário, desovado na vala... Vocês intelectuais não falavam em 'luta de classes', em 'seja marginal, seja herói?' Pois é: somos nós! Rá rá...
"Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro 'Alien' escondido nas brechas da cidade. Você não ouve as gravações feitas 'com autorização da Justiça'? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. Há uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, celulares, internet, armas modernas. É a merda dos chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação social, são fungos de um grande erro sujo, O que mudou nas periferias?
"Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel. Quem vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.
"Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e nossos produtos vêm de fora; somos globais.
"Você acha que o caminho é este?"
"Vocês estão fazendo uma crítica da própria incompetência. Esse negócio das UPPs é muito bom. É a primeira coisa imaginosa que apareceu. Mas, se não houver uma reforma geral das instituições, as UPPs podem morrer na praia. Elas mantêm o paciente vivo, mas não combatem a doença original.
"Tem de haver uma reforma radical do processo penal do país, tem de haver comunicação e inteligência entre as políticas municipais, estaduais e federais, programas sociais e educação. Tudo bem... agora melhorou muito; aumentou o pragmatismo e a eficiência. N´´os sempre estivemos no ataque; vocês, na defesa. Agora tudo se inverteu. Parabéns.
"A repressão aprendeu muito conosco. A polícia e a política aprenderam com o excesso de horrores que já produzimos nos últimos 30 anos, aprenderam com os temores da população, com os ônibus pegando fogo, com as cabeças cortadas, com os microondas toraando os X-9s, aprenderam que não há mais solução e sim 'processo', e por isso vocês estão ganhando terreno. Parabéns. Mas agora, como se diz no Exército, está na hora do 'aproveitamento do êxito'. Não adianta tomar o morro e depois sair, não adianta matar, celebrar vitórias, não adianta nada se..."
"Sim, o que devem fazer as forças policiais?"
"Vou dar um toque, mesmo contra mim. Escreve aí: pequem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem general, tem até ex-presidente do Paraguai nas paradas da cocaína e armas.
"Isso não é assunto para a polícia, não. Isso é uma questão de Estado, é tão importante quanto impedir o desmatamento. Está havendo uma mudança psicológica na população. Faz parte do crescimento econômico. Não é bom para o mercado uma zorra como a nossa. A produção do mundo está nos obrigando à modernização e à democracia. Eu estou falando como um cientista político porque sou um cientista sobre mim mesmo - rá rá... Meu destino está traçado, o sangue está grudado em mim, mas o destino de vocês também está. Eu vejo hoje muito mais do que via, mas vocês também têm de mudar. Estou lendo o Klausewitz - 'Sobre a guerra' - e digo que vocês não podem esperar uma vitória total, solução, a paz em Ipanema e o mundo voltando atrás. Nunca mais.
"É como no Oriente Médio, com os homens-bomba. Nunca haverá vitória clássica. Dá para melhorar, urbanizar, civilizar, mas o mundo hoje tem um preço trágico que todos terão que pagar. Todos vamos conviver com a própria miséria.
"De qualquer forma, parabéns... Por linhas tortas chegaram lá. A História não é uma linha reta. É um zigue-zague.
"Vocês nunca terão uma solução completa, mas, ao menos, já conheceram o problema...
"Vamos lá... Vou vazar para Roraima... mas, olha, cara: não há mais segurança máxima na vida...
"Bye, Bye, Catanduvas..."

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sonhos e Frustrações - Guilherme dos Santos

Quando somos crianças, nos é dito que existe uma pessoa especial no mundo para cada um de nós.
Não entendemos muito bem quando nos falam isso, afinal, somos crianças e nem acreditamos no amor, sequer o conhecemos, para falar a verdade.
E com isso, vamos vivendo. E a medida que a vida vai passando, vão aparecendo pessoas, amores, amigos...
De repente, você se pega encantado com alguém. Aquele alguém, que é tudo que você sempre sonhou - pelo menos aparentemente - E você constrói sonhos a volta daquela pessoa.
Mas as coisas começam a dar errado e você começa a se perguntar onde foi parar aquela pessoa pela qual você havia se apaixonado; será que ela ainda existe em algum lugar?
Quando isso acontece, você promete a si mesmo, que nunca mais vai se apaixonar por ninguém, que nunca mais vai olhar para ninguém da mesma maneira, que você vai "curtir a sua vida" o máximo que puder. E nesse momento, os amigos são imprescindíveis.
E no meio desses amigos, você encontra uma amiga que está passando pela mesma situação que você, ela acabou de se decepcionar e está na mesma sintonia que você, querendo sair, curtir a vida e te incentiva a viver, dizendo que "a melhor vingança, é ser feliz".
E você vai com ela. Vai vivendo, vai se divertindo, vai conhecendo pessoas novas e vai se recuperando daquela surra que levou da pessoa que você amava.
E quando você imagina que está completamente vacinado em relação ao amor, você se pega apaixonado novamente. Mas você para e pensa: Será que não é perigoso? Será que não é ousado demais?
Você encontrou a pessoa certa e ela esteve sempre ali, ao seu lado; te ajudando, te dando força, sorrindo para você e fazendo você se sentir bem nos piores momentos.
Porém, VOCÊ encontrou a pessoa certa, mas ELA não encontrou a pessoa certa para ela.
Vocês sempre se perdem um do outro. Ou será que em algum momento, vocês realmente se encontraram?
Nesse momento, pensamos em desistir a todo o tempo, afinal de contas, você nunca investiu muito tempo em alguma coisa: se não desse certo, você simplesmente seguia em frente.
Mas algo naquela pessoa, especificamente, não deixa você se afastar, não deixa você desistir, não deixa você ir embora e seguir seu caminho em paz.
Ela faz uma bagunça enorme no seu coração e na sua vida e você deixa. Deixa não porque ficou bobo ou idiota, mas porque o sorriso dela, é o que ilumina a sua vida, o que faz você feliz, o que faz você "acreditar que a vida pode ser maravilhosa."
Você quer mostrar para ela que você pode ser feliz com outro alguém, quando na verdade, você não pode. Só ela te completa.
Você tem medo de estar com outra pessoa pensando nela e tem medo de perdê-la de vez se estiver com outra pessoa.
Você fica longe, se muda até para outro Estado ou País se for preciso e mesmo assim, nas esquinas, você vê sempre o rosto dela.
Os seus sonhos com relação a ela são tantos, você constrói um castelo para que lá, possa habitar a mais linda Princesa, daquelas dos sonhos infantis. Mas para ela, você não passa de um sapo ou não passa do conselheiro da Corte.
Nesse momento, você olha para trás e vê que realmente aquilo que havia sido dito a você sobre a pessoa certa, é verdade. Só que nem sempre, você é a pessoa certa para a pessoa que você ama.
E mais uma vez, você se encontra sofrendo, duvidando, tendo que escolher um caminho...
O que fazer a partir daqui? Essa é a principal pergunta. Mas dessa vez, não é ela que vai me dar a resposta; então, quem o fará?

Guilherme dos Santos

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Texto de Amyr Klink

Um homem precisa viajar.
Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV.
Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu.
Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor.
Conhecer o frio para desfrutar o calor.
E o oposto.
Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto.
Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser.
Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Estatuto do Homem - Carlos Heitor Cony

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade;
Agora vale a vida,
E de mãos dadas,
Marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
Inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
Haverá girassóis em todas as janelas,
Que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
E que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
Abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem
Não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento,
Como o vento confia no ar,
Como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:

O homem confiará no homem
Como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio,
Nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo
Porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías,
E o lobo e o cordeiro pastarão juntos
E a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade,
E a alegria será uma bandeira generosa
Para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor sempre foi e sempre será não poder dar-se amor a quem se ama
E saber que a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
Qualquer hora da vida,
O uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama
E por isso é belo,
Muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado, nem proibido,
Tudo será permitido,
Inclusive brincar com os rinocerontes
E caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela

Parágrafo Único:

Só uma coisa fica proibida:
Amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
O dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar
E a festa do dia que chegou.

Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
A qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas,
A partir desse instante a liberdade será algo vivo e transparente
Como um fogo ou um rio,
E a sua morada será sempre o coração do homem.